Todos temos bombas em casa e isso é lindo.

Ocorreu-me um dia desses que todos os indivíduos que usam botijões em suas casas têm, embaixo de seus tetos, uma potencial e poderosíssima bomba. O tão usual gás que é utilizado para fazer inocentes e deliciosos pratos guarda em suas cadeias carbônicas o potencial explosivo de animais inteiramente enterrados, esquecidos e pressurizados pelas forças da natureza acompanhadas pela inevitável marcha do tempo e os transformadores éons geológicos. O gás de cozinha, um casamento perfeito entre as primeiras crias da destilação fracionada, é o brado gasoso de uma massa escura e grudenta composta por tudo aquilo que um dia foram trilobitas, dinossauros, diplópodes gigantes e formas curiosas de vida ancestral. O botijão de gás é o paraíso post-mortem do zooplâncton, do peixe extinto e dos cnidários ancestrais.
O fogão de dona Maria na hora do almoço é um espetáculo. Não pela comida maravilhosa, mas sim pela mágica dos ciclos terrestres. O grito do Ipiranga mesozoico, liberado aos poucos de seu moderno vaso canópico, acende as bocas do eletrodoméstico e, com a chama azulada, cozinha produtos advindos das mais novas e atuais formas de vida. O fogão é o ciclo, o elo entre morte e vida. O fogão é a via da saciação corpórea e o botijão, possibilitador das refeições, é uma bomba de vida após a morte. Se, por ventura, o cilindro pressurizado explodir, marca-se a morte com a morte. O reservatório com seus treze quilogramas de gás é uma bomba em potencial, uma bomba sobrenatural e mística. Uma bomba que leva consigo o ensinamento de que a vida é cíclica, assim como anéis aromáticos.